segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Quando um raio cai duas vezes no mesmo lugar.

Em uma bela e ensolarada manhã de quinta-feira...

- Opa, irmão, você pode me dizer aonde fica a Paralela?
Pensei: Paralela? Mas nós estamos na Paralela. Fodeu.
- Isso aqui é um assalto, meu amigo está armado e eu quero o seu celular!
Pensei: é, de fato, fodeu.
Retirei meu celular, aquele, que foi pago em prestações, que eu usava dentro de uma capa e nunca atendia ligações na rua, e dei ao meu algoz.
-Velho, me dê o chip aí, na moral.
-Que porra de chip, rapaz, eu quero o seu relógio, também!
-Meu celular é pré-pago, eu não tenho crédito, aí estão meus contatos do trabalho. Na moral, me dá o meu chip?
-Vai, vey, dá o chip do cara.
-Olhe, só vou dar o chip porque é pra você, viu, brother?!

Pensei: Brother? Irmão? De quem? Este descarado acaba de levar meu celular, aperta minha mão, sim, ele apertou a minha mão, e ainda me chama de irmão?
-Beleza, velho, obrigado por me devolver o meu chip.
-Vá, vey, siga seu rumo rápido e não olhe para trás ou eu lhe meto a zorra!
-Antes, volte! Me dê o seu relógio.
-Porra, “irmão” (ele teve de virar irmão) o relógio é do camelô e não é meu, não leve ele, não, por favor.

Acho que a impolgação dos dois foi tão grande com o meu celular bonitinho que me mandaram ir embora e consegui salvar o relógio.
Fui para o meu ponto de ônibus, com uma sensação única e indescritível de impotência, vulnerabilidade, de tristeza. Fora o tremor nas pernas e o coração acelerado.

Bem, isso aqui foi uma continuação indesejada do post anterior. Se no primeiro tentaram me assaltar, desta vez, no mesmo lugar, poucos dias depois, eles me pegaram.
Relutei muito antes de escrever este novo texto, sobre o mesmo assunto, os mesmos clichês, etc. Mas acabei postando por acreditar que não devemos deixar de refletir sobre este assunto. Por acreditar que não podemos naturalizar essas práticas, jamais. E também porque foi a única coisa que eu pude fazer, enquanto os tais dos “reféns da sociedade” que me roubaram já devem ter cheirado e fumado todo o meu celular. E enquanto aqueles que escolhi para comandar esta máquina chamada de Estado estão viajando pelo mundo, ou enclausurados em suas residências sofisticadas, com os seus seguranças, carros blindados, etc., etc., etc.


Obs. Marquei no Wikicrimes o local do ocorrido. Você pode conhecer este projeto de mapeamento colaborativo de crimes e visualizar o local que fui assaltado neste link.

Um forte abraço.
Espero não voltar com relatos como estes novamente por aqui.

6 comentários:

Unknown disse...

Vá se rezar meu filho! rs

Adriele disse...

Egi, os textos estão ótimos, este e o anterior. Só lamento pela veracidade dos relatos. Estaríamos mais tranqüilos se o "caríssimo ladrão/ assaltante/ vagabundo/ menos favorecido/ excluído socialmente" fosse apenas personagem de ficção.

Mas eles existem e são os "reféns da sociedade". Algoz é você, que só entregou o celular. Custava nada ter dado o relógio também, criatura sem coração?

Só me resta torcer pra que você não tenha mais matéria-prima pra escrever sobre este tema. Pensando bem, só nos resta torcer, uns pelos outros.

Unknown disse...

Egis o texto ficou muito bom! Como eu já tinha comentado com você, é foda que agora a gente tenha que se privar de certos luxos, que a gente trabalha e duro para poder compra-los, porque essa situação que vc passou é a atual realidade do nosso país. É triste mas é a verdade.

Lisiane disse...

Adoreeii o textoo Egiii!!
Muitoo gostoso de ler!
Parabéns, querido!
Beijãooo

Pati Mattos disse...

Eginhooo... vc nem comentou que os donos vieram buscar o que são deles. ¬¬ Graças a deus n fizeram nada de ruim com vc. Como diz minha vó, "vao-se os aneis e ficam os dedos" hehehe

bjoo

obs.: Muito bem escrito! =)

Demilson disse...

O texto ta massa man. Pena que a gente tem que passar por isso ainda. Pensa pelo lado positivo, pelo menos c pegou seu chip, hehe...brincadeira.
Infelizmente n podemos fazer nada neh? Complicado.
Vlw man
Abraço